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7-junho-2025 Ano 1

Etiqueta em espetáculos: entenda o que está acontecendo em ‘Wicked”

Como o público age perante apresentações e como isso afeta os atores e o resto da plateia?

Por: Ana Clara de Oliveira, Beatriz Demarque, Eduarda De Nadai Generato, Maria Isabel Prado de Messias e Sophia Henriques Marcos Garcia

O comportamento do público em musicais virou assunto nas redes sociais. Gritaria e fãs cantam alto em todas as canções costumam chamar a atenção de quem vai ao teatro só pra ver e apreciar a obra. Mas nesta nova temporada de Wicked no Brasil as coisas parecem ter mudado de patamar. A Agenzia entrou nesse debate e foi conferir se, depois da “bronca” da produção, já é possível ver o espetáculo.

Para além da cantoria, o excessivo uso de celulares para gravar as apresentações de Wicked foi uma das maiores críticas. Myra Ruiz, intérprete de Elphaba no Brasil, afirmou que o uso de celulares – principalmente com o flash da câmera ligado – de fato, atrapalha a apresentação e a interação dos atores com o público. Ruiz apontou que o principal momento de uso dos telefones é durante a música Desafiar a Gravidade, quando sua personagem voa sobre a plateia em uma vassoura, o que exige muita concentração da atriz.

“Musical não é show”, argumentou Felipe Neto em suas redes sociais. Para o influencer, cantar durante as músicas em uma peça de teatro musical prejudica as pessoas que estão na plateia. Ele afirma que as músicas do musical são essenciais para o entendimento do enredo.

Alguns acreditam que as pessoas exibem esses comportamentos por estarem entusiasmados com a produção, outros dizem que o brasileiro quer gritar e chamar a atenção dos atores. Mas há aqueles que alegam que por pagarem o valor integral do ingresso teriam o direito de cantar, como se fosse uma espécie de show de música, e não cênico.

Depois do lançamento do filme baseado no musical, protagonizado por Cynthia Erivo e Ariana Grande, artistas renomadas no mundo do teatro e da música norte-americana, em novembro de 2024, Wicked ganhou mais visibilidade e fama. Isso acabou trazendo muitos novos espectadores e expectativas para a nova montagem brasileira de 2025.

Por conta da repercussão, a produção do musical precisou se posicionar pelas redes sociais pedindo que as pessoas segurassem os ânimos durante as músicas, batendo palmas e gritando só quando os números acabassem. E que não usassem o celular durante a apresentação, além de reiterar a proibição quanto gravar, filmar e fotografar o espetáculo. Ao longo de algumas semanas, a Agenzia ouviu pessoas envolvidas no espetáculo e, por último, fala de como as coisas mudaram.

Plateia do musical na sessão das 20:00 do dia primeiro de Maio/Foto 2/Acervo Pessoal

Thadeu Torres, ator de Boq

Thadeu Torres, intérprete de Boq na montagem de Wicked Brasil em 2025 afirmou: “o teatro é vivo” e que o espetáculo depende mutuamente da participação dos atores e da plateia para o desenrolar das cenas. “A gente precisa do público para que nossa peça aconteça, senão a gente gravava e passava no telão”, disse. Para ele, o retorno da plateia com suas risadas e expressões faciais, ajudam na performance dos atores.

“Wicked é um fenômeno, é uma coisa que está fora da curva. Eu, dos 16 musicais que eu fiz – assim como Mamma Mia que era muito legal, as pessoas conheciam a música, levantavam no final pra cantar – nunca vi ninguém berrabdo no meio do espetáculo, até porque ninguém faz um voo de 30 metros pelas plateia.”

Disse Torres se referindo à cena de Elphaba no ápice do primeiro ator

O ator conclui que o comportamento muito expansivo da plateia pode ser prejudicial a partir do momento em que incomoda as pessoas que estão em volta da que está cantando. Mas ele compreende as pessoas que têm o corpo tomado pela energia e empolgação.

Sophia Garcia ao lado de Giovana e Alex, vestidos como Glinda e Elphaba/Foto 3/Acervo Pessoal

Guilherme Leme, ator

O ator e diretor, Guilherme Leme citou o crescimento das bilheterias de teatro após a pandemia da Covid-19, quando a sociedade precisou ficar loge da arte vinda dos palcos. Assim como Thadeu, Guilherme chegou a citar a mesma expressão: “o teatro é vivo”. Além de reiterar o quanto o papel da plateia de musicais é “maravilhoso” para um artista e para um diretor. Porém, criticou duramente o uso dos celulares ao brincar: “Esse é um crime mundial. Tocar o celular e ver que algúem está dormindo”.

“Eu, como artista adoro a reação do público, é óbvio que isso não pode sobrepor a história que está sendo contada, mas a grande verdade é que no Wicked só tomou essa grande proporção porque as pessoas filmaram. Coisa que não se deve fazer dentro do teatro.”

Guilherme Leme

Guilherme Cepeda, crítico e escritor

Guilherme Cepeda, escritor, crítico e especialista em teatro, alegou que nesta nova montagem do espetáculo, muitas pessoas estão indo para acompanhar as atrizes principais: Fabi Bang e Myra Ruiz, pois elas vivenciam os papeis de Glinda e Elphaba desde a primeira montagem do musical no Brasil, em 2016.

“De um tempo pra cá esse musical virou um produto. Não criticando as duas (Fabi e Myra), elas estão certas e ganham dinheiro mesmo, mas elas meio que se apossaram da marca e do musical no Brasil”

Guilherme Cepeda

Guilherme comentou que existe um movimento grande de pessoas que se interessaram no musical por conta do longa, e que existem casos onde pessoas saíram do teatro ao fim do primeiro ato da peça para não receberem spoilers do filme Wicked for good, que vai relatar a segunda parte do espetáculo e só será lançado em novembro de 2025. Outro comportamento problemático relatado por Cepeda são as pessoas acharem que o teatro é algo similar a um show, muito devido à presença de Ariana Grande como Glinda, a outra protagonista da trama, no filme. Ariana é responsável por lotas estádios e arenas em diversos países em um sistema de apresentação muito distinto do teatro, mas o público passou a agir de forma similar nos dois ambientes, o que não condiz com as atmosferas diferentes.

O escritor afirmou que existe uma necessidade do público brasileiro de buscar atenção em redes sociais, por isso, essas pessoas se filmam gritando durante o espetáculo ou tentam gravar o voo da Elphaba de um ângulo diferente para consegurir mais visualizações na internet. Afinal, qual o objetivo de um ator se preparar meses, ou até anos para a montagem de um espetáculo tão magnífico quanto Wicked, esperando que as pessoas vão ao teatro assistir, se no fim do dia uma pessoa vai postar um vídeo e ganhar mais atenção que os próprios atores?

Cepeda criticou duramente o “Melhor aluno de Shiz“, um projeto criado pela produção de Wicked que funciona como um programa de fidelidade do musical, onde quem assiste mais sessões ganha um presente, como uma foto com os atores principais após assistir uma quantidade pré determinada de sessões. Para ele, isso tirou toda a “alma” do pós-apresentação, quando os atores vão ao saguão do teatro para estar perto dos fãs. Mas esse serviço, segundo Cepeda, tirou da maioria dos consumidores do espetáculo a oportunidade dessa experiência, pois muitos não terão condições financeiras de vivenciar o mesmo que um “melhor aluno” endinheirado teria.

O eescritor possui diversas críticas quanto à produção de Wicked, mas de uma forma geral, acredita que a participação do público durante as apresentações é boa, tanto para os atores quanto para a plateia. Porém, nesta temporada, as pessoas ultrapassaram limites em seus comportamentos.

“Eu tinha ingresso pra ir na estreia e vendi, falei ‘não vou’. Vi como tava, falei ‘ não vou passar raiva não’ aí peguei, vendi e comprei pra ir na última sessão, que sei que vai ser bagunça já mesmo.” Cepeda se refere a algo comum no mundo dos musicais: a sessão de encerramento ser no estilo “sing along” (cante junto), onde as pessoas vão sabendo dessa realidade e gostam. Porém, estar em uma constante sessão como essa, em todas as semanas de uma temporada não parece ser interessantes para uma parte do público.

Maria Isabel Abduch, produtora de cinema

Pelo lado cinematográfico, Maria Isabel Abduch, produtora executiva de cinema, ressaltou a diferença de musicais com a arte exibida nos cinemas de shopping, de rua e de festivais. A discrepância entre eles é principalmente em relação ao seu público: “Nos festivais, por exemplo, você não escuta um ‘a’ na sala”, abordou. Como são eventos mais exclusivos, têm a sua devida importância para os amantes da cinematografia pela pequena quantidade de pessoas convidadas a prestigiar as obras, o que acarreta num ambiente mais respeitoso e responsável ao se tratar das regras da convenção. As pessoas que frequentam os cinemas de rua, por outro lado, tendem a ser consumidores assíduos da arte cinematográfica e que, segundo a fala de Isabel “também levam mais a sério os rituais do eventos, pois se interessam por essa arte num geral, não só por um filme específico”.

Sobre público “de shopping”, Isabel diferenciou: “eles se atentam menos a desligar o celular e se comportam de uma forma menos direta no filme, ficam em redes sociais, o que incomoda as pessoas que estão atrás”. Mesmo com essa ressalva, Abduch argumentou que nesses locais a experiência é diferente por que muitos são crianças e adolescentes que buscam apreciar um filme não necessariamente pela parte mais “técnica” ou pelo amor ao cinema, mas em sua maioria, pelo apreço por um personagem, ator ou cantor, como acontece nos casos da franquia de Vingadores, Homem Aranha: Sem volta pra casa e dos documentários e filmes autobiográficos como Taylor Swift: The Eras Tour.

Felipe Vidal, Jornalista cultural

O repórter da TV Gazeta Felipe Vidal apontou: “Tem pessoas que pagam 400 reais para ver uma peça. E sabe qual a realidade do Brasil hoje? As pessoas querem viver esse momento só que talvez falte também essa educação que, sim, pode atrapalhar quem está em cena” raciocinou ele. O jornalista ressalta a majestosa cena da Elphaba voando, dizendo que é suficiente para transbordar emoções no público. Vidal abordou que musical é chama do show: “A Brodway chama o espetáculo de teatro musical como show, e é um fato […]. Acho que as pessoas querem muito estar ali”.
Vidal foi questionado se acha que essa agitação toda pode afetar a repercussão do musical: “É aquela frase né? Fale bem ou fale mal, tem pessoas comentando e falando sobre. Estão repercutindo, estão postando”. Alpem disso, ele abordou que a produção não tem uma missão específica nesse contexto diferente.

A Agenzia, por meio da repórter Sophia Garcia, foi conferir o musical na sessão das 20 horas de primeiro de maio de 2025. Naquela quinta-feira de feriado, o que se viu foi um público quieto, que interagiu muito pouco com os atores, mesmo com diversas tentativas de alguns em cima do palco. Na cena de Desafiar a Gravidade, a plateia gritou quando a Elphaba começou a voar; ao longo do espetáculo vários personagens voam em cena, porém, todos em cima do palco, sem avançar para a plateia, o que acontece nesse momento em que a bruxa voa em uma vassoura em todo o Teatro Renault, e isso gera uma emoção grande e se conter acaba sendo difícil.
Depois das reclamações nas redes sociais, a produção passou a mirar lasers nas mãos das pessoas que usam o celular. Mas na cena mais emblemática o que mais se viu foram aparelhos tentando captar o momento, inclusive o da reportagem. Porém, fora esta passagem, não houve uma grande vontade de registrar as cenas, as pessoas respeitaram o pedido da produção de não usar o celular, assim como a proibição de filmar gravar e fotografar.
Em resumo: a sessão em que a Agenzia esteve presente foi bem quieta. É provável que, por ser já mais para o meio da temporada, o hype inicial passou. Era um dia muito frio também, o que pode ter levado as pessoas a acalmarem os ânimos. Mas não descartamos que a “bronca” da produção e os avisos antes da peça começar influenciaram o comportamento do público

Elenco da sessão durante os agradecimentos finais/Foto 4/Acervo Pessoal

Sophia Garcia

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