A metrópole cresce de forma acelerada e para o alto, empurrando os mais pobres e a classe média para bairros distantes e com problemas de mobilidade – ou como uma ideia boa e necessária pode ter efeitos negativos na vida urbana
O aumento de prédios residenciais na cidade de São Paulo tem redesenhado a paisagem urbana sem resolver os problemas estruturais do território. O processo de verticalização, defendido por urbanistas como alternativa para conter a expansão horizontal e melhorar o uso da infraestrutura existente, ocorre de forma desordenada e amplia a desigualdade social.
O crescimento da cidade para cima não é uma ideia recente. O conceito de verticalização surgiu no século 19, pela Escola de Chicago de Arquitetura e Urbanismo, com a introdução de tecnologias que tornaram o processo construtivo viável. Na teoria, esse fenômeno poderia favorecer as relações sociais por aproximar as pessoas dos polos comerciais e de serviços. Mas a São Paulo do século 21 não tem promovido uma ocupação equilibrada do espaço. A metrópole cresce, mas não para todos.
Vitalidade Urbana
A vitalidade urbana é a configuração espacial, práticas sociais e percepções dos cidadãos em relação à cidade. E é ela quem vem sendo comprometida pela forma como os edifícios têm sido verticalizados de forma acelerada nos últimos anos. A ocupação intensa de áreas específicas, enquanto outras permanecem subutilizadas, contribui para o uso desigual do solo. Alguns bairros têm prédios altos demais; em outros, um edifício de cinco andares já parece um arranha-céu.
Nabil Bonduki é Arquiteto e ex-secretário Municipal de Cultura em São Paulo. Segundo ele, a perda da vitalidade urbana está diretamente ligada ao desenho urbano da era moderna. “Quando as construções não dialogam com o entorno, com a mobilidade e com os espaços de convivência, a cidade perde sua função social”, sentencia.
A verticalização desordenada também tem efeitos sobre a qualidade ambiental e urbana, ao ignorar princípios de conectividade e acessibilidade. A concentração de empreendimentos sem planejamento gera formas urbanas menos sustentáveis, com baixa flexibilidade de uso, obstáculos econômicos no longo prazo e agravamento da exclusão social, explica Bonduki.
A visão de um CEO de construtora

Fernando Tadeu Perez, 43 anos, é presidente da Construtora e Incorporadora Tecnisa, uma das empresas que mais compram terrenos para construir prédios de médio e alto padrão da cidade de São Paulo. Com visão empresarial, sua equipe procura criar e desenvolver projetos em bairros que terão retorno rentável segundo a demanda.
Em entrevista à Agenzia, Perez afirmou que a verticalização de São Paulo é um processo natural, e que não possui apenas a assistência do governo como também a sua aprovação. Ele lembrou que o ato de incorporar e construir não acontece do dia para noite. A prefeitura impõe limitações para que os projetos saíam do papel, mas não deixa de incentivá-los como forma de balancear a preservação histórica e ambiental dos bairros, permitindo o crescimento comercial dessas áreas.
Esse equilíbrio pode ser desbalanceado para ambos os lados. Segundo o CEO da Tecnisa, as políticas ambientais estão muito presentes na elaboração de projetos e que, por vezes, impactam nos lucros da empresa. Por outro lado, explicou Perez, o poder público municipal também tem seus próprios interesses em desenvolver o comércio dos bairros. “A Prefeitura incentiva a Tecnisa a continuar suas obras, mesmo que não dialogue com seu entorno”, afirmou o empresário. Esse processo, apesar de ser regulamentado, oscila entre a preservação do padrão urbano e a gentrificação.
Perdizes e Tecnisa
Um bom exemplo de como a verticalização tem reconfigurado bairros paulistanos ocorre, atualmente, em Perdizes. Localizado na zona oeste de São Paulo, o bairro era predominantemente rural até o século passado. Só veio a ser urbanizado pela chegada de imigrantes italianos entre 1940 e 1950. Chegou a ser um dos marcos iniciais da seleção de zoneamentos nobres da cidade. Perdizes é um dos bairros de atuação da Tecnisa, sempre com prédios cada vez mais verticais. A área é reconhecida pela alta qualidade de vida, com ruas arborizadas, comércio diversificado e acesso facilitado a importantes vias da cidade.
A atuação do mercado imobiliário tem impulsionado megaprojetos em bairros tradicionalmente bem localizados. Porém, antigos moradores enfrentam pressões econômicas, como aumento de impostos e encarecimento geral da região, o que os levam a deixar o local. Resultado: a identidade dos bairros se dilui e a cidade passa a ser moldada mais para o consumidor do que para o cidadão. “A Tecnisa proporciona todo o apoio ao cidadão que está sendo prejudicado pelas obras, oferecendo sempre um retorno viável e humanizado”, afirma o CEO da construtora.
Mas urbanistas como Nabil Bonduki associam esse modelo de desenvolvimento urbano ao urbanismo neoliberal. A cidade passa a ser tratada como mercadoria, com o solo urbano valorizado por sua rentabilidade. A legislação urbanística, cada vez mais alinhada aos interesses do mercado, facilita essa dinâmica.
A política pública, nesse cenário, também possui papel relevante. Investimentos em infraestrutura tendem a beneficiar regiões com apelo econômico, contribuindo para a valorização seletiva de determinados bairros. Áreas degradadas são requalificadas com obras públicas, atraindo capital privado e elevando os preços. Isso representa uma forma indireta de subsídio estatal ao setor imobiliário.
A cidade vem adquirindo uma nova configuração com mais torres, condomínios fechados e, como efeito colateral, maior exclusão espacial. A distância física entre centro e periferia se traduz também na distância social. Os setores mais vulneráveis são deslocados para regiões cada vez mais afastadas, onde o acesso a serviços, empregos e transporte é limitado. O fenômeno, a bem da verdade, não é novo, mas se acelerou muito nos últimos anos.
Desigualdade social e sustentabilidade
A diferença das moradias segundo as classes sociais tem aumentado, o que gera cidades mais fragmentadas. A chamada “reconfiguração socioespacial” é marcada por programas de urbanização e planejamento que, ao promover a valorização imobiliária, contribuem para a expulsão da população de baixa renda das áreas centrais – ainda que, no discurso oficial, a verticalização com prédios de uso misto (moradias de diferentes tamanhos e comércio no térreo, por exemplo) seja vendida como inclusiva.
Com a expulsão de antigos moradores de bairros mais bem localizados, a construção de prédios que condizem com a segregação social gera um novo problema para as cidades: a falta de demanda para tantas ofertas imobiliárias. Sobram prédios de alto padrão, de alta metragem, e faltam moradias populares próximas das estações e de acessos ao transporte público.
É uma contradição nada aparente. Quem precisaria morar perto do transporte público é empurrado para bairros periféricos, enquanto que aqueles que podem comprar unidades em prédios verticalizados raramente usam metrô ou ônibus.
Esse modelo seletivo de oferta também reafirma a presença histórica do racismo, dessa vez propagada pela verticalização do mercado. No Censo do IBGE de 2010, a distribuição da população por tipo de domicílio e a distribuição da população negra era representada pelo seguinte gráfico:

Quanto melhor a infraestrutura do bairro mais branco ele fica, eis o retrato da segregação racial que ocorre em São Paulo. Nos bairros bem localizados, a população é predominantemente branca e habita uma cidade verticalizada, como na região da Avenida Paulista e de Higienópolis.
Apesar de as cidades serem resultado de múltiplos processos — incluindo ações da população, do mercado e do Estado —, a consolidação de um modelo que prioriza a democratização do acesso ao espaço é essencial. Estratégias de desenvolvimento urbano baseadas na valorização seletiva reforçam privilégios e ampliam desigualdades.
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